Pesquisador americano compara efeitos de diferentes tratamentos e conclui que a terapia psicodinâmica, que tem raízes nas ideias do pai da psicanálise, é a mais eficiente delas. Afirmação divide opiniões de especialistas

 

  • Fonte: Paloma Oliveto ( CORREIO BRAZILIENSE)

 

 
 

Cento e um anos depois de o médico vienense Sigmund Freud provocar furor na área da saúde mental com o lançamento do emblemático A interpretação dos sonhos, um psicólogo norte-americano decidiu provar que, ao contrário do que diz o senso comum, a eficácia dos princípios psicanalíticos pode ser evidenciada por métodos científicos. Em artigo que será publicado pela Associação Norte-americana de Psicologia, o professor Jonathan Shedler, da Universidade de Colorado Denver, afirma que a psicoterapia psicodinâmica, cujas bases estão enraizadas nas teorias freudianas, não só tem maior eficácia em relação às outras abordagens terapêuticas como produz benefícios mais duradouros.

De acordo com o psicanalista Ricardo Pelegrini, do Conselho Regional de Psicologia da 1ª Região, a linha que separa a psicodinâmica da psicanálise é bastante tênue. Ambas procuram mergulhar no inconsciente do indivíduo e tratam dos elementos mais particulares da personalidade, como os desejos, as fantasias, as frustrações e os conflitos da pessoa. “Na psicanálise, para mobilizar o paciente internamente, resgatamos vivências do passado, lembranças de outras situações e perdas. Isso é importante e fundamental”, afirma o especialista.

Na abordagem psicodinâmica, explica, a base teórica é similar. Porém, além de ser uma terapia mais rápida, com duração mais curta e sem a realização de tantas sessões semanais, ela pode ser aplicada em hospitais, escolas e grupos familiares. Algo que seria impensável na ortodoxia freudiana.

No artigo, Shedler afirma que entende o porquê de médicos e psicólogos demonstrarem uma certa má vontade em relação à psicanálise, pois, segundo ele, em décadas passadas, os profissionais que utilizavam a técnica abusavam da “arrogância e da autoridade”. Além disso, não admitiam a adoção de qualquer outro tipo de psicoterapia que não fosse a originada nas teorias de Freud. Agora, segundo o americano, são os demais terapeutas que fazem questão de demonstrar sua descrença em relação à eficácia da psicanálise.

Eficácia mensurável
Para sustentar a tese de que a psicanálise tem comprovação científica, Shedler compilou pesquisas que estudaram a psicodinâmica e outros sete tratamentos terapêuticos. Valendo-se de um conceito estatístico denominado effect size(1), ele mensurou a eficácia de cada uma das abordagens e encontrou índices que corroboram sua tese. Quanto mais próximo de 1, maior é o benefício do tratamento, sendo que 0,8 já é considerado de grande efeito. Em um dos conjuntos de trabalhos revistos pelo psicólogo, foram avaliados os resultados de 18 pesquisas realizadas com pacientes da psicodinâmica. O tamanho do efeito foi 0,75.

Já no grupo de estudos no qual as pessoas eram submetidas à terapia comportamental cognitiva, o índice caiu para 0,62. Segundo Shedler, o tratamento à base de antidepressivos tem o menor effect size: 0,26 para fluoxetina e 0,21 para escitalopram. Em todas as pesquisas, os pacientes sofriam de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático ou episódios de pânico.

O principal conjunto de trabalhos estudado por Shedler incluiu 1.431 pacientes com diversos problemas mentais, que frequentaram a terapia uma vez por semana por pelo menos um ano. Nesse contingente, o effect size foi de 0,97 em relação à melhora dos sintomas. Nove meses depois da alta, as pessoas que participaram do estudo foram reavaliadas. O resultado impressionou Shedler: o índice tinha crescido 50%, passando para 1,51. Para o pesquisador norte-americano, isso prova que a psicodinâmica, além de ter maior eficácia, apresenta resultados mais duradouros. “Em contraste, os benefícios de outras terapias ‘embasadas empiricamente’ tendem a diminuir ao longo do tempo nas mais comuns condições, como depressão e ansiedade generalizada”, diz.

A psicóloga Santuza Fernandes Silveira Cavalini, coordenadora do Núcleo de Psicodiagnóstico e Psicoterapia Psicodinâmica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, achou interessante o esforço de Shedler para provar a base científica da abordagem. “Esse artigo vem reforçar o que várias pesquisas, inclusive brasileiras, estão caminhando para fazer, que é comprovar que uma técnica na qual os aspectos subjetivos são trabalhados é científica”, comemora.

Porém, na opinião de Santuza, é temerário sustentar que uma abordagem terapêutica é melhor do que outra. “Existem várias formas de lidar com o sofrimento humano. O psicoterapeuta vai analisar as necessidades do paciente para definir qual terapia será mais benéfica”, diz.

Comportamental
Já o psicanalista Ricardo Pelegrini defende a psicodinâmica em sobreposição às abordagens comportamentais behavioristas(2) por acreditar que essa corrente se foca muito na racionalidade. “Não se trabalha o inconsciente, mas elementos concretos da vida do sujeito”, diz. Se alguém vai fazer uma cirurgia e sente medo, o terapeuta o informará sobre as técnicas, a segurança do procedimento etc. Pelegrini afirma que é preciso ir além e tentar entender quais episódios da vivência particular do indivíduo fizeram com que ele desenvolvesse esse tipo de temor.

Para o psicólogo comportamental Fábio Augusto Caló, do Instituto de Psicologia Aplicada, de Brasília, as comparações entre as escolas de psicoterapia “serão sempre perigosas”. Ele acredita que, mesmo sem a intenção, o pesquisador pode acabar sendo pouco isento nas avaliações, pois, naturalmente, de acordo com Caló, privilegiará a abordagem com a qual se identifica mais.

O psicólogo explica que a escola comportamental, de fato, é baseada menos no subjetivo e mais na razão, para que o paciente possa sentir o efeito da terapia em tempo mais rápido. “A brevidade é necessária, por exemplo, para uma pessoa com depressão severa. Ela não pode esperar muito tempo, pois pode chegar a cometer suicídio”, diz. Segundo Caló, o terapeuta comportamental avalia os excessos e deficits do comportamento. Chorar demais é um excesso; faltar muito ao trabalho é um deficit. Quando algo está errado, o profissional vai tentar entender o motivo pelo qual o paciente encontra-se naquela situação. “Mais importante do que levantar os porquês de 10, 20 anos atrás, é trazer à tona os porquês do presente”, afirma.

Caló explica que, embora racional, a escola não subestima as relações interpessoais, conforme afirma o artigo de Shedler. “A preocupação com o estado emocional, que envolve principalmente as relações familiares e com outras pessoas, é muito grande”, diz. “Há uma forma de o indivíduo agir, pensar e dizer, e isso tem uma relação direta com o meio ambiente que o cerca. O comportamento que aprendemos — bom ou ruim — vem diretamente dessas relações”, ensina.

Se discordam sobre a melhor abordagem psicoterápica, todos os especialistas ouvidos pelo Correio têm a mesma opinião a respeito de uma questão levantada no artigo de Jonathan Shedler: o uso de medicamentos desassociado de acompanhamento terapêutico é uma forma apenas de “enganar” os sentimentos do paciente. “O sofrimento é algo natural na vida. A pessoa tem de sentir isso para se mobilizar internamente. No meio médico, se reduz o ser humano à questão neuroquímica”, critica Ricardo Pelegrini, lembrando que estudos mostram que 30% do efeito produzido pelos fármacos é placebo. Apesar disso, ele concorda que há casos em que é necessário o uso de remédios e que muitos psiquiatras já se sensibilizaram em relação à psicoterapia, a ponto de indicá-la a seus pacientes.

1 – O tamanho do efeito
Em pesquisas científicas, os participantes são divididos em dois grupos, sendo que apenas um deles será, de fato, submetido ao tratamento proposto. Isso é importante para calcular a eficácia do que se quer testar, seja um remédio ou uma terapia, por exemplo. O effect size mede a diferença dos efeitos provocados no grupo de estudo e no de pessoas que não participaram do teste.

2 – Condicionamento
Utilizado pela primeira vez em 1913, o termo behaviorismo defende que, em vez de buscar os processos internos da mente do paciente, o terapeuta deve se concentrar no comportamento. Conhecido como o pai do behaviorismo clássico, o norte-americano Jonh B. Watson acreditava nas teorias do russo Ivan Pavlov sobre o condicionamento comportamental.