Autor: Dr. Campos Meneses, Psicanalista

               Ao pensar a máquina da transferência analítica, em torno do seminário 11 de Lacan “Os Quatro Princípios Fundamentais da Psicanálise”, importa lembrar que a tetrafonia conceitual lacaniana envolve:

  • A estrutura do inconsciente
  • A repetição
  • A pulsão
  • A transferência

               A tetrápode anunciada, que estou chamando a tetrafonia lacaniana 4 em 1, em meu seminário das quartas-feiras, são avatares ou formas variadas do próprio inconsciente.

               Secundando discursos prévios em torno do inconsciente, repetição e pulsão, adotamos o discurso da transferência analítica. “Le transfer est l’inconscient mise en act” – Lacan. Traduzindo o dito clínico lacaniano: a transferência é o inconsciente passado ao ato. Entender a transferência implica em fazer da pulsão e da repetição um espaço de claridade no ponto de obscuridade do conhecimento psicanalítico. A cadeia de significantes – Autômaton e Tyche – é produto de recalque de fluxos pulsionais, na constituição do sujeito do inconsciente, na lógica borromeana RSI-Sinthome alojada nos grandes Outros da alienação.

               A transferência ou a Übertragung de Freud está no mundo, quase sempre traduzida como a philia aristotélica. Para Aristóteles, no seu livro “A Política”, para a consistência de uma polis, há a necessidade de um concreto psíquico que interligue os cidadãos. Para constituir o concreto psíquico do ligamento entre os cidadãos, insiste Aristóteles, mais vale a philia inter-subjetiva do que a própria lei do Estado.

               A transferência, no senso comum chamada de amor, avança na psicanálise de forma diferente. Embora Freud tenha nomeado a transferência como ein echte liebe (um amor verdadeiro), existe uma dit mention de elementos constituintes do seu sujeito. O amor sim! Mas o ódio também. Ambos habitando a sessão psicanalítica, o vínculo entre o psicanalista e o analisando, que Lacan veio a batizar como haînamoration(amor e ódio). Quem ama sempre odeia, embora a dose de ódio, idealmente, deva ser tão menor e permita a sobrevida do fenômeno do amor. Entre o divã e a poltrona do psicanalista, a rejeição contratransferencial (coisa inadequada de analista) dos ódios ou pulsão de morte dos grandes Outros do analisando, torna o tratamento analítico uma impossibilidade. Culpa? De quem? Do analista. Portanto, como dizia Lacan, é de se ficar de olho no analista.

               Classificar a transferência na dicotomia positiva e negativa não cabe no universo psicanalítico contemporâneo. Toda transferência, seja de ódio, seja de amor, representa a ressurgência da estrutura significante daquele que se propôs seguir a clínica psicanalítica do seu próprio psiquismo.

               Algo mais na transferência. O eixo da ignorância e do saber. A partir de suas reflexões sobre Sócrates (“só sei que nada sei e sei sobre o desejo”), em analítica leitura do “Banquete” de Platão, Lacan lança o matema SsSd, sujeito suposto saber e desejo.

               A presença do analista, como um Dasein, estruturado pelo analisando, é fundada e sustentada por todos os aspectos citados do fenômeno transferencial.

               Tem consistência teórica e clínica, dizer que o analista é um aparecimento, dentro do setting analítico, guiado pelos tempos lógicos da presença do analista, quando gestada pelo demandante de análise.

               O analista ôntico. Ontológico. Facticidade, ek-sistência e decadência do analista. Se algo não está claro neste último parágrafo, deixemos para que o leitor faça suas pesquisas e busque o efeito de sentido.

Final

P.S.

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